PROFESSORES DA CATEGORIA “O” - SUBSTITUTOS
IMPOSIÇÃO (I)LEGAL DE QUARENTENA E DUZENTENA


Supremo Tribunal Federal



Na atualidade há questionamentos sobre Contratação Temporária de Professores (Categoria “O”) pelo Estado e a legalidade e constitucionalidade de se impor limitações entre uma e outra contratação subsequente.


Em breves considerações, pelo que se têm visto e dentre outros argumentos jurídicos, temos que a contratação de mão-de-obra temporária para Professores da Categoria "O" pelo Governo do Estado de São Paulo é regulada pela Lei Complementar nº 1.093/2009, combinado com o artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal.


Em 26.08.2015, foi publicado no D.O.E., pág. 33, seção I, a Portaria CGRH nº 07/2015, que dispõe sobre as inscrições para o Processo de Atribuição de Classes e Aulas para o Ano Letivo de 2016, estabelecendo em seu artigo 1º que poderão ser atribuídas aulas no Ano Letivo de 2016 aos docentes na seguinte situação:


(...)


V - docentes com contratos celebrados em 2015, nos termos da Lei Complementar nº 1.093/2009.


(...)


Acontece que esse dispositivo proibitivo proíbe a recontratação de servidor público temporário antes de um intervalo de 40 (quarenta) e de 200 (duzentos) dias em relação ao encerramento de seu contrato anterior.


Assim, para a participação do Professor Substituto no Processo Seletivo para nova contratação no ano e exercício de 2016, será necessário se submeter às aludidas restrições legais.


Trata-se, portanto, de perquirir acerca da constitucionalidade e da legalidade desses dispositivos restritivos.


Como se apresentam, essas normas devem ser afastadas, pois não possuem eficácia diante dos Princípios Constitucionais, dentre outros, da Isonomia e da Razoabilidade, como veremos.


Não se pode olvidar que a hipótese constitucional do artigo 37, inciso IX, da Carta Republicana, exige para o estabelecimento do direito apenas: a determinação temporal da contratação; a temporariedade da função; e a excepcionalidade do Interesse Público.


Assim, finalizada a contratação temporal, pelo exaurir da temporariedade da função, acaba essa contratação (fim do vínculo jurídico), cuja outra e nova necessidade (novo período letivo) não leva à continuidade da contratação que se findou, pois o novo período letivo se trata de outra e nova necessidade temporal, implicando em outro e novo contrato para período diverso (novo vínculo jurídico).


Não se trata de renovar contrato temporário para o mesmo período e a mesma função. É o caso de novo contrato para novo período temporário (outro e novo Ano Letivo e turma de alunos).


Uma vez concedido esse direito pela Carta Magna, não há que falar a norma infraconstitucional em alternância entre os ocupantes dos cargos temporários, a fim de evitar que se perpetuem nas funções, tentando justificar sua pretensão na interpretação teleológica constitucional, buscando apropriar-se da intenção do legislador constituinte, sob pena de restrição e/ou supressão do direito constitucionalmente estabelecido.


Se o devido e justo Processo Seletivo Público visa apurar e selecionar o mais preparado para o exercício temporário das respectivas funções, restringir essa seleção certamente não atende aos Princípios Constitucionais da Isonomia, da Razoabilidade, da Supremacia do Interesse Público, da Legalidade, da Impessoalidade, da Moralidade Administrativa, da Eficiência, do Devido Processo Legal, da Segurança Jurídica, da Justiça...


Se o mais qualificado em seleção pública sempre obtém o direito de ser contratado pela Administração Pública, além de lhe ser merecido e constitucionalmente assegurado, essa circunstância é integrante da esfera de direitos do indivíduo.


Não há privilégio algum em relação aos candidatos, pois para cada contratação temporária corresponde o devido Processo Seletivo Público, novo período e novo contrato de trabalho. A concorrência na seleção pública é igual para todos, com as mesmas provas e sem privilégio de nenhuma espécie.


Pensar em sentido contrário é que resulta em privilégio, assegurando que candidato pior qualificado e classificado obtenha a chance de exercer funções públicas para as quais não fora selecionado, em detrimento do melhor candidato, do Interesse Público e da Administração Pública.


Não nos parece correta ao caso a observância do inciso I, do artigo 37, da Constituição Federal, que remete à Lei o estabelecimento de requisitos para a acessibilidade dos brasileiros às funções públicas.


Referido dispositivo deve conter harmonia com o §3º, do artigo 39, ambos da Constituição Federal, com este último sendo claro ao dispor que a Lei poderá estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.


Esse §3º, do artigo 39, da Constituição Federal, é norma de observância obrigatória no Estado de São Paulo, por força do artigo 297, da Constituição Paulista (Emenda nº 21/2006).


É certo que a natureza do cargo de Professor não exige o estabelecimento de requisitos diferenciados de admissão no diapasão sob análise (quarentena e/ou duzentena).


A análise resulta na vedação constitucional da Lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão (acesso) ao serviço público quando a natureza do cargo não o exige, não havendo que se falar que a norma restritiva de participação e concorrência no certame público seria razoável.


Logo, a limitação restritiva de participação se encontra ofensiva aos Princípios Constitucionais da Isonomia, da Razoabilidade, da Supremacia do Interesse Público, da Legalidade, da Impessoalidade, da Moralidade Administrativa, da Eficiência, do Devido Processo Legal, do Direito Social ao Trabalho, da Exceção ao Acúmulo de Cargos ou Função (se o caso), da Segurança Jurídica, da Justiça...


Dessa feita, a Impessoalidade e a Moralidade Administrativa são verificadas justamente ao se selecionar o mais apto para as funções públicas. Essa a verdadeira intenção do legislador constituinte.


Para se evitar o justo temor de favorecimento pessoal e/ou de corrupção, afastadas meras conjecturas, deve-se fiscalizar com maior rigor todas as fases de elaboração e de realização do Processo Seletivo Público.


Saliento que o candidato aprovado não ocupa cargo, apenas exerce função, cuja recontratação não se trata de permanência no cargo ou na função, como dizem alguns, mas sim de justa e nova contratação para novo período excepcional conforme a Constituição Federal, seja diante de contrato findo, seja de aditivo contratual.


O mero temor de que possa haver algum favorecimento pessoal e/ou corrupção no processo de seleção pública não se mostra plausível para se restringir o recrutamento público lícito e anular o conhecimento acumulado no exercício da função temporária, este último sim benéfico ao Interesse Público, ainda mais em se tratando de Professores, formadores de indivíduos...de seres humanos...de cidadãos, a se cumprir com as finalidades do artigo 237 e incisos da Constituição do Estado de São Paulo !!!


Devemos separar o Processo de Seleção Pública, onde há temores de favorecimento, do momento de Contratação, onde se atenderá ao Interesse Público e da Administração Pública.


Portanto, o fim social que se vislumbra neste caso, é sempre selecionar o mais apto e detentor de maior conhecimento para o exercício dessa função de excepcional Interesse Público, que é a de Professor.


Não há espaço para se impor limitações à acessibilidade dessas funções sob a alegação de que o mais apto e detentor de maior conhecimento selecionado em processo público estaria sendo privilegiado, ou que se estaria cerceando ou cancelando condições de igualdade de todos.


As condições de igualdade, de cerceamento ou privilégios, devem ser verificadas no momento do devido Processo Seletivo Público, e não após concluído esse processo constitucional de seleção pública, buscando se alterar o resultado classificatório deste mediante imposição infraconstitucional de restrição no momento posterior da contratação.


Frisa-se: em um processo lícito, não se trata de Privilégio e nem de Discriminação alguém sempre se classificar em primeiro lugar numa seleção pública !!!


Isso se denomina preparo e competência, clamados pelo Interesse Público e Fim Social !!!


Se a Administração Pública se vê em situação de continuidade da atividade administrativa, proporcionando ao longo do tempo contratação temporária de natureza provisória, a Administração Pública é quem deve reconhecer a ausência dos requisitos dispostos no inciso IX, do artigo 37, da Constituição Federal, e cumprir com o inciso II, do mesmo códex, ou seja, deve criar as vagas efetivas e contratar mediante o devido Concurso Público, a ser aberto para todos e que selecione definitivamente os mais aptos, a bem do Interesse Público e dos serviços públicos de educação a serem prestados.


O que se vê é uma inversão de valores legais por parte da Administração Pública do Estado de São Paulo, que maneja certa necessidade contínua como se provisória fosse.


Afinal, será que toda a constante demanda e necessidade temporária de Professores no Estado de São Paulo são realmente temporárias, ou certa quantidade já se repete ano após ano ???


A quantidade que se repete ano após ano, digamos que no período razoável de 3 (três) ou de 5 (cinco) anos, se revela em necessidade contínua !!!


Se violação à Constituição Federal há, essa violação está na própria perpetuação da contratação temporária pela Administração Pública, que se esquiva de realizar o devido Concurso Público para o provimento de Cargo em caráter Efetivo.


Essa prática errônea da Administração Pública não serve de pálio para configurar privilégio em relação a candidatos em outro momento anterior à contratação, que é o da realização do Processo Seletivo Público.


É no processo administrativo de seleção que se deve garantir ausência de privilégios em relação aos candidatos e o acesso geral irrestrito e democrático para participação no certame. De resto, que vençam os melhores, a bem do Serviço e do Interesse Público real.


E mais, observa-se a violação, ainda, na elaboração de norma infraconstitucional para se tentar convalidar a burla ao sistema constitucional de Concurso Público para funções de natureza contínua, tratando-as como se provisórias fossem.


Se prevalecerem as restrições questionadas, a Administração Pública estará recebendo um atestado de legalidade e de constitucionalidade para a perpetuação da contratação temporária para a mesma função desde que alterne os candidatos, e aí, sim, aquela deixará de privilegiar o Cargo Efetivo e o correspondente Concurso Público.


Por isso que alguns tribunais acabam por convalidar certos casos de repetição da contratação. Embora hajam decisões recentes em sentido contrário (ex vi, STJ, AgRg no RMS 34663/PA). Não por culpa do Processo Seletivo Simplificado, mas sim por culpa da própria Administração que insiste em tratar o contínuo como provisório...


O que se deve pôr em discussão, é se os Tribunais devem convalidar os casos de repetidas contratações temporárias para funções (inciso IX, do artigo 37, da CF/88), em detrimento do Concurso Público para cargos efetivos e respectivas funções (inciso II, do artigo 37, da CF/88).


Contudo, não devemos confundir FUNÇÃO TEMPORÁRIA (Processo Seletivo Simplificado) com CARGO EFETIVO (Concurso Público), sendo certo que a permanência por longo tempo desses Profissionais temporários no Serviço Público, que constitucionalmente não se submetem ao Concurso Público, se deve às repetidas necessidades temporárias de excepcional Interesse Público.


Ora, se ambos os processos seguem os ditames e permissivos constitucionais, não há que buscar restringir direitos constitucionalmente estabelecidos e consagrados via normas infraconstitucionais.


Não estamos falando de Concurso Público, posto não se tratar de Cargo Efetivo.


Falamos de Processo Seletivo Público, para função e contrato temporários (Ano Letivo), onde não há permanência no serviço, pois este sempre se interrompe (acaba) com o término do Ano Letivo (necessidade temporária). Novo Ano Letivo é outra nova necessidade, cujo processo se repete. Assim está em nossa Constituição Federal.


E assim têm decidido o Superior Tribunal de Justiça, sendo firme sua jurisprudência nesse sentido: AgRg no RMS 34663/PA, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Segunda Turma, DJe 22/06/2015; RMS 44341/PB, Rel. Ministro OG FERNANDES, Segunda Turma, DJe 23/09/2014; AgRg no RMS 42.801/PB, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, DJe de 18/02/2014; MS 14.849/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, Terceira Seção, DJe de 05/06/2013; MS 16.753/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Primeira Seção, DJe de 17/08/2012; AgRg no RMS 33.227/PA, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Primeira Turma, DJe de 06/12/2011; RMS 28541/PA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJe de 21/06/2010; RMS 30.651/PA, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Segunda Turma, DJe de 30/08/2010).


Em foco área de Serviço Público essencial no Estado e na Sociedade: a Educação. Cuja natureza da função a ser exercida não deixa espaço para se buscar restringir acesso aos melhores e mais qualificados Professores selecionados pelo devido Processo Público, proibindo que sejam contratados para atuarem como educadores sob o argumento de que outros também habilitados serão chamados, mesmo que estejam classificados bem abaixo dos suprimidos.


A controvérsia jurisdicional e jurisprudencial acerca da inconstitucionalidade das vedações impostas ainda irão longe, pois não há unanimidade sobre o assunto e nem final decisão do Supremo Tribunal Federal, o que acarreta na atualidade estado de incerteza em relação à sua legitimidade e à presunção de constitucionalidade, causando insegurança jurídica nos Professores injustamente excluídos e penalizados.


Deve-se acreditar no entendimento de que a aplicação dessa norma e suas vedações devem ser judicialmente afastadas, pois tais requisitos de admissão ao serviço público, restritivos e ceifadores da competição pública e da melhor escolha para o Interesse Público (ainda mais em se tratando da Educação), ferem mortalmente diversos Princípios Constitucionais, como brevemente vistos, violando Direito Líquido e Certo.


Em boa lógica jurídica e bom senso, há de prevalecer a garantia de legitimidade de inscrição, participação e eventual aprovação dos candidatos no Processo Seletivo Simplificado do Estado de São Paulo para o Ano Letivo de 2016.


Já em relação à contratação, esta dependerá da real e oportuna necessidade da Administração Pública, na forma da Constituição Federal e da Lei Específica, sem restrição de acesso meramente pelo candidato ter celebrado contrato anterior na mesma função.


Assim, com respeito a eventuais entendimentos jurídicos contrários e deixando-se de lado eventuais paixões partidárias, creio que os limites materiais da norma infraconstitucional sob comento, que restringem o acesso às funções públicas de Professor, impondo requisitos descabidos e desarrazoáveis, embora legais por constarem de Lei, não se justificam nem se mantém diante da princípiologia constitucional vigente, se revelando muito mais em prejuízo  na área da Educação, caso venha a prevalecer a inibição de uma nova contratação em um determinado novo período letivo, de alguém que já obteve experiência no exercício das respectivas funções públicas.


Diante das graves distorções que se apresentam, uma vez mais se invertem valores, e perde o Interesse Público...a Administração Pública....nossas Crianças...a Sociedade !!!


Neste contexto, os que se sentirem prejudicados ao terem indeferidos seus pedidos para inscrição ou atribuição de aulas em decorrência da quarentena ou da duzentena, poderão socorrer-se da tutela do Poder Judiciário, a fim de questionar a legalidade e a constitucionalidade dessas restrições, como medida de Justiça.


Caberá ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal dirimir a controvércia...


 

 
Paulo Ignácio

             Paulo Roberto Gomes Ignácio

            Advogado atuante desde 1993.
            Professor no Ensino Superior de Direito desde 2006.
            Pós-Graduado com Especialização em Direito Público.
            Membro do Conselho Editorial da Revista Ethos Jus.
            Membro de Bancas Examinadoras de TCC.
            Parecerista no CONINCE - Congresso de Iniciação
            Científica Eduvale.

Mais sobre o assunto no STJ:

AgRg no RMS 34663/PA, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Segunda Turma, DJe 22/06/2015;

RMS 44341/PB, Rel. Ministro OG FERNANDES, Segunda Turma, DJe 23/09/2014;

AgRg no RMS 42.801/PB, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, DJe de 18/02/2014;

MS 14.849/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, Terceira Seção, DJe de 05/06/2013;

MS 16.753/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Primeira Seção, DJe de 17/08/2012;

AgRg no RMS 33.227/PA, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Primeira Turma, DJe de 06/12/2011;
 


RMS 28541/PA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJe de 21/06/2010;

RMS 30.651/PA, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Segunda Turma, DJe de 30/08/2010).